Seja sob que ângulo se olhar a questão dos deportados portugueses dos EUA e do Canadá – a maioria dos quais de origem açoriana, por motivos históricos (caça à baleia) – no final de contas, o que mais choca na generalidade dos casos é a assimetria de pena extra que lhes é aplicada após já terem cumprido uma pena nesses países pelo ilícito aí cometido (grave ou ligeiro). Isto é, a expulsão de um país que os deportados consideram como o seu porque aí cresceram desde a sua infância, que aí se educaram ou deseducaram, casaram e tiveram filhos e onde assimilaram a sua língua e cultura, para o país (Portugal) onde nasceram mas em relação ao qual em nada se identificam porque o deixaram há décadas, quando bebés ou crianças, sem terem criado verdadeiras raízes familiares, linguísticas, culturais e afetivas.
Essa decisão, sustentada por decisões legais e jurídicas existentes nos EUA (mais restritivas desde 1996) e Canadá (desde 2001), já deportaram para Portugal nos últimos anos, centenas de portugueses para o continente, Madeira e sobretudo os Açores criando, por um lado, problemas humanos tremendos para os deportados e quase sempre tão traumáticos que se revelam insolúveis e, por outro, questões de difícil ou impossível solução social e humana para Portugal.
Repito: são seres humanos que, nascidos em Portugal mas criados nos EUA e no Canadá há várias décadas, aí cresceram, assimilaram e interiorizaram a cultura local. Alguns até cumpriram o serviço militar (Vietname, Golfo, Iraque), aí têm os pais e família, desenvolveram as suas atividades profissionais, aí obtiveram residência mas, por ignorância, desconhecimento ou descuido, nunca solicitaram a cidadania, embora a ela tivessem direito, porque não pensaram que o impensável pudesse ser possível e cruelmente executado. Serem expulsos para o seu país de origem, neste caso Portugal, perdendo direitos sociais, para os quais, muitas vezes, contribuíram durante décadas, e deixando definitivamente aos 30, 40, 50 ou 60 anos tudo para trás: trabalho, pais, cônjuges, filhos já lá nascidos… Isto, apesar de terem residência e terem já cumprido uma pena à qual foram condenados por um delito cometido, seja ele qual for (droga, acidente de viação, assaltos…).
Resultado: revolta, exclusão social, cultural, familiar e desnorte totais no país onde nasceram mas ao qual não sentem que pertencem, obviamente.
É neste contexto que a AMI tem dado o apoio possível, embora com muitas dificuldades, nos seus centros sociais nas Regiões Autónomas (sobretudo na Ilha Terceira) e no continente e tentado sensibilizar sobre uma temática tão ignorada, tão desumanizada e tão aviltante, através do cofinanciamento de iniciativas como a peça de teatro “I don´t belong here”, interpretada maioritariamente por deportados reais e que esteve em representação em várias cidades do continente e ilhas em 2016.
A ida recente de uma equipa da AMI aos EUA conduzida por mim, também permitiu focar essa questão com o Secretário-Geral das Nações Unidas, Engº António Guterres, e aprofundá-la com mais assertividade em New Bedford, Massachussets, com o Immigrants’ Assistance Center (IAC) e a sua Diretora, Helena da Silva Hughes, que desenvolve um trabalho notável ao sensibilizar e ajudar os imigrantes condenados à deportação e atuando preventivamente no sentido de sensibilizar e preparar os nossos compatriotas que a isso têm direito: a obtenção de cidadania.
Através da parceria com o IAC (uma instituição criada em 1971 por elementos da comunidade portuguesa de New Bedford) e da concretização de um trabalho em rede entre as duas instituições, a AMI irá intensificar a sua colaboração no sentido de reforçar a ajuda prestada aos nossos deportados para o Continente e para as Ilhas.
Fernando de La Vieter Nobre,
Fundador e Presidente da Fundação AMI
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